quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Exatamente

"Não somos, todos nós, enigmas fascinantes? A começar pelo mistério físico em que, aleatoriamente, moléculas se reúnem contrariando as tendências, e criam uma forma de vida tão complexa capaz de se questionar sobre o sentido da própria existência? Sei que estou dando uma grande volta, mas prometo (prometo?) chegar ao ponto. Acontece que ninguém possui a resposta para essa questão fundamental, e toda a produção humana - nossa cultura, arte, ciência, religiões e instituições, nossas campanhas e nossas revoluções - só tem lugar graças a essa lacuna do inapreensível da vida. Mas como bem sabes, nem todas as pessoas admitem dúvida (são aqueles que não sabem brincar). Para alguns o não-saber é tão aniquilador quanto a própria morte. Há quem não tolere a incerteza sobre o sentido da vida, há quem não tolere a incerteza sobre seus próprios sentimentos, e quem não tolere nem mesmo não saber se prefere preto ou branco. É intolerável essa fusão entre o bom e o mau que está presente em cada célula, em cada gesto humano. Para alguns é enlouquecedor. Em alguma medida, é intolerável a todos nós o caos e a falta de sentido. Então se criam as verdades consensuais, as verdades religiosas, científicas, delirantes (como no caso do nosso anti-herói)... Não há muitas diferenças entre todas estas verdades do ponto de vista da função que cumprem. Somos todos, sim, dependentes uns dos outros para criarmos as nossas verdades. Para fabricarmos nossas identidades. Necessitamos de espelhos, de intituições, de consensos, de valores comuns, ainda que eles nos sirvam para serem negados. Isto a que chamas "a sociedade", seria uma entidade coletiva e anônima, uma massa fantasmagórica e amorfa a quem atribuis a responsabilidade pelo sentimento de opressão pelas intituições que nós mesmos criamos? Concordo que haja esta opressão, pois aí entramos no terreno das verdades absolutas e das ditaduras de pensamento. Criamos modelos que nos dêem continente, que nos sirvam de inspiração, para serem transformados, adaptados, questionados, e não para nos aprisionarmos neles. Mas é isso que acaba acontecendo, certo? Porque para questionarmos nossas leis, nossos paradigmas, nossa moda, precisamos estar dispostos a encarar a dúvida. E o que é a dúvida senão uma manifestação da nossa incompletude e imperfeição? Posso até aceitar não ser a dona da verdade, mas preciso que alguém (ou alguma coisa) o seja. E este alguém, se eu o seguir, comprar, adorar, reverenciar e viver em função dele, quem sabe assim consiga amalgamar nossos seres, quem sabe eu possa comungar do seu corpo ou da sua alma em algum tipo de ritual sagrado, pode ser uma prece, uma música, um motim, uma relação sexual, um ato de consumo (compro um soutien Victoria's Secret, logo existo), e então sou compensada por minhas falhas.
Viver flutuando nesse mar de infinitas possibilidades sem pai nem mãe (porque depois que crescemos eles não passam de crianças como nós) é absolutamente doloroso. Partindo de uma pergunta simples:o que é uma flor? Antes de recorrer ao dicionário ou a algum livro de ciências, sabes responder com precisão? Podes me fornecer algumas das características de uma flor, mas esta definição terá sido completa e generalizável? E se experimentares alguma dificuldade para me apresentar uma boa definição, isto acaso põe em dúvida se sabes bem o que ela é? Ora, é claro que sabes o que é uma flor. Mesmo que seja uma flor de papel, um desenho, uma fantasia de flor, ou mesmo um símbolo que a represente, saberemos reconhecê-la. Porque há uma essência, um quê inapreensível, que embora não possamos explicar, se reflete num sentimento de um conceito. Agora, se para responder "o que é uma flor" já encontramos tantas dificuldades, imagina como será responder "quem sou eu?". E não há livro ou dicionário que nos defina. Já pensaste em procurar-te na letra E? Ou seria na M, já que respondes por Mari? No dicionário de Charles Manson havia uma única, absoluta, verdadeira e tranqüilizadora definição. Charles Manson = "Jesus Cristo, aquele com desígnios especiais a quem os outros devem seguir, aquele que tem a verdade e a solução para todo o sofrimento que a vida lhe impôs". E quanto mais veementemente acredito nisto, quanto maior a força da minha convicção, mais sedutor me torno, maior a promessa que lanço para os demais, de que ao comungarem dessa minha perfeição, estarão também protegidos do caos. "Ler o outro em poucos minutos"... É projetar rapidamente no outro aquilo que falta em mim mesmo. Aquilo de que eu necessito, enxergo como uma necessidade do outro (e é), e então prometo satisfazê-lo.
Vivemos perseguindo promessas, de diferentes níveis de idealização e plenitude. Nos alimentamos de ilusões de certezas(que sejam bem vindas!) para termos força para construir bens maiores, como uma relação amorosa, edifícios ou obras de arte. Agora, enquanto escrevo, persigo com fé a promessa de me sentir menos ignorante, mais perfeita, porque creio que tenho algo importante para dizer e que tu vais talvez escutar. Mas consigo suportar (até certo ponto!) o fato de que tudo o que eu digo tem certa abrangência limitada, e que posso mudar de idéia se confrontada com outras opiniões... Não preciso matar nem morrer em nome disto. Posso viver para perseguir a promessa de encontrar novos sentidos na interação interdependente com os outros. Mas uma posição tão modesta dificilmente seduziria multidões."


Gaby always has the best words to describe it.

Um comentário:

Gabi disse...

Tô me achando...
:P

Bjooosss